domingo, 22 de dezembro de 2013

Leituras


“Tal é a condição natural nas mulheres – disse Dom Quixote –, desdenhar a quem as quer e amar a quem as aborrece.”

Miguel de Cervantes Saavedra “Dom Quixote de La Mancha”
tradução de Miguel Serras Pereira

domingo, 29 de setembro de 2013

Morto-vivo


Julgava que o tempo ajudava. Disseram-me que ajudava. Mas o tempo afinal só atira com umas breves pazadas de terra para cima. Basta um leve esbracejar para ficar tudo de novo à vista.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Porto de chegada


Transpus por fim o Letes borbulhante. As narinas brindadas por eflúvios, miasmas. No apeadeiro fui saudado por Caronte. O Hades espera-me, já lhe sinto a fogueira. E sei de antemão que me vão queimar com os suplícios das memórias não apagadas pelas águas do Letes.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Galton revisitado


Não há programas em curso mais eugénicos que os televisivos. Bem como certas e determinadas revistas.

Os santuários de Himmler

Todos sentem na pele as pressões ditatoriais. A sociedade humana nunca deixou de ser um imenso 'Lebensborn'. Um imenso laboratório a céu aberto, regido maioritariamente pelo crivo biológico. Quanto ao corpus teórico, à sua derradeira finalidade, os almanaques* são nisso modelares.

* em qualquer banca próxima de si.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Sinais de tempos infernais

Sinais de fumo onde recrudesce a possibilidade de menos um paraíso na Terra. Primeiro, a expulsão do Éden. Depois, a queda do bloco soviético. E agora, até sobe de tom a intenção de acabar com (ou "regular") alguns paraísos fiscais. Decididamente, a Terra não parece terreno fértil para paraísos. Antes ilhéu luxuriante onde se banqueteiam os bem-intencionados.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Chandala, o auto-crítico

Mais um episódio exemplar da nefanda hipocrisia de um certo círculo político: a expressão sardónica do soba da Madeira, pousando o dedo indicador sobre os lábios - um schhhh! sibilante, um show viperino a alimentar os media, a pedir por tudo quanto é flash. O falso silêncio de inimizades fidagais, sob máscaras movidas todas elas a sorrisos de autómatos, dando o mote à repisada e grotesca farsa. E em favor de quem e de quê? De um protocolo e putativo sentido de Estado. Esses pró-formas para os quais escancaram as vísceras, à mínima oportunidade, do alto de outras tribunas. Pois, as convicções são fortes e os sobas de cá e lá, uns verdadeiros crentes e pregadores da verticalidade. São tão convictos, tão plenos de convicções, que quando se encontram, as conviniências de um low profile as varrem de imediato sob o tapete. Mas, à distância, aí sim, são homens, homens de guelra bem lubrificada.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Espíritos transgressores, só no livre trânsito

A sua tendência para pisar o risco era apenas fogo-fátuo vogando pelas janelas de belas casas assombradas. Almas interditas sabem quando bater em retirada. Na verdade, pouco mais desejam que a paz de todos os mortais.

Mais facto que rótulo

A dualidade é menos rótulo do que se julga. É, a meu ver, um facto que todos de nós, uns mais conscientes outros menos, praticamos. E não acho que a dualidade (pluralidade, até), se assumida e, claro, sem prejuízo dos outros, seja um traço moral necessariamente mau. Para mim, pior é o falso monolitismo de um só rosto a fingir inexpugnabilidade. Os génios como Joyce, Wagner, etc. (a galeria é extensa) não fogem à regra, com todas as suas brancas e negras contradições, enfim, com toda a mescla de áreas cinzentas que habitam o ser humano. A situação faz o indivíduo e por vezes o inverso, a sua palette de cores é extensa, e as combinações escolhidas podem compor delícias.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Dédalo

A par da craveira literária, tenho forçosamente que admirar alguém do estofo de James Joyce. Um indivíduo de fina espécie, educado entre jesuítas e as mal afamadas ruas de Dublin. Fluente em latim, como no tilintar de moedas à cabeceira das madames. Autor que, se lhe juntarmos as companhias ilustres de Proust, Kafka e Musil - o quarteto maravilha -, revolucionou o romance moderno. Um mestre observador do pormenor e do escatológico. Reinventor e mapeador da cidade de Dublin, ao ponto de: se esta por algum ominoso motivo implodisse - tanto as fundações como qualquer traço de memória que não a dos livros do dito -, sábios arquitectos poderiam fielmente reerguê-la das cinzas, qual Fénix, bastando para isso seguir a voz que nos guia por páginas e mais páginas. Omito a sua inclinação para a bebida, a sua irascibilidade, facto de somenos entre demiurgos. Portanto, a reter: um inspiradíssimo artesão das letras e, ao mesmo passo, um poeta dado a brindar a esposa - Nora - com sentidas epístolas eivadas aqui e ali de deliciosos laivos pornográficos. Simplesmente notável.

A transitoriedade do belo

"Tudo é belo, desde que o vejamos na altura certa."

"Se as coisas belas se mantivessem na mesma para todo o sempre, com certeza teria satisfação nisso, mas então olhá-las-ia com maior frieza e pensava: «Ainda vais ter muitas oportunidades de ver isso, não tem necessariamente de ser hoje». Pelo contrário, aquilo que é transitório e efémero é por mim visto com interesse e não só me traz alegria como também uma certa mágoa"

in "Knulp" de Hermann Hesse.

Azul glacial

Percebo-te bem, anjo alado de míticas ilhas. Turvam-se as ideias à superfície e as profundezas só nos devolvem um eco: do não dito, do sem meios para ser dito. Cada um, a seu modo, precipita-se por florestas negras até que a sorte dos desventurados nos conduza à clareira. À clareira onde o azul glacial do espelho eleva o olhar. Pela superfície, tacteiam as mãos, em pedido de auxílio, em busca de contornos um pouco mais nítidos. E no reflexo hipnótico, de si, do outro, os dedos advinham, os dedos lêem: os trilhos por onde raiam os belos sentimentos, os que erguem o espírito e iluminam no seu caminho as palavras.

A world of wonderous peace


"Behold the pain and sorrow of the world,
dream of a place away from this nightmare.
Give us love and unity, under the heart of night.
O Death, come near us, and give us life!"

Draconian - Death, Come Near Me

Do materialismo

Algibeira rota e sem fundo, envelheces a cada "objecto" que se perde.

terça-feira, 12 de maio de 2009

'Criancionismo' [2]

Por vezes acho que os criacionistas criaram o seu próprio mundo: um mundo à parte. O éden onde se sentem bem. Onde se sentiriam ainda melhor se todos nós acreditassemos nele.

'Criancionismo'

Quando leio algumas coisas sobre criacionismo, torna-se notório que à palavra lhe falta um «n».

Mea culpa

Quis despejar por terra as primícias do vómito que me gazeavam as entranhas. Quis espojar-me nelas. Aos que inadvertidamente por aqui transitaram enojei com tamanha fealdade e comecei a acreditar que essa fealdade era eu. Depressa me arrependi, porque o lodo que em catadupa extraía era um eu irreflectido e nauseado, era uma vontade de conspurcação, gratuita, um desejo de infringir a rectidão das linhas com que tentei equilibrar-me acima de outros desfiladeiros. Alimentei assim o pueril desejo de antecipar-me ao tempo e atravessar o Letes. Uma vez aí, mais cego que nunca, esquecer-me-ia de mim, não mais veria o caminho para por lá errar indefinidamente que nem vulto irreconhecível. Porém, um dia, longínquas me chegaram as vozes de Hades e Perséfone, conferenciando dos abismos do submundo, lá onde só entra quem tem voz. E não sei porquê, mas lembrei-me da descida do herói para aconselhar-se com Tirésias. E eu, ser bem mais inferior, mas melhor conhecedor dos meus limites, já só penso agora no regresso a casa.

Some girls are bigger than others

A mulher é um belíssimo mistério. Um mistério que, não aguardando qualquer resolução, vai lançando pistas de que até seja possível. Acena-nos com soluções e respostas aproximativas, ciente que o segredo está bem guardado. Acena-nos porque no fundo acha graça à nossa desorientação, ao nosso ar perdido.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Sur mes lèvres



Sur Mes Lèvres (Nos Meus Lábios) /2001
Filme de Jacques Audiard

Confesso que o realizador me deu a volta. Fui levado pelos primeiros indícios. Até certa altura acreditei estar perante uma estória de regeneração. Mas nem o ladrão (Vincent Cassel) se regenerou, nem Emmanuelle Devos superou as suas fragilidades. Juntos conseguiram facturar. Ok, um feito. Mas longe do que pensava ser um folhetim romanesco entre "marginalizados". É um filme relativamente cru, como a relação que se estabelece entre ambos, mesmo que só possam contar um com o outro. As qualidades complementam-se, mas, ao que parece, só na sua função utilitária: ele acaba de sair da prisão e ela tem o dom de conseguir ler os lábios. Vale portanto a conjugação de esforços. Ela, contudo, espera mais qualquer coisa da parte dele. Ele parece não estar para aí virado; não é do tipo sentimentalista. A envolvência e a tensão sexual crescentes não convergem - ele é um bruto. Ao contrário de outros filmes do género, em que parece ser esse o seu único fim, não há aqui consumação (quer sexual, quer afectiva) de uma relação. Há adiamento, suspensão emocional, o que me agrada. Não é um grande filme, mas também não o acho tão mau como o pintam.

blues da morte de amor

já ninguém morre de amor, eu uma vez
andei lá perto, estive mesmo quase,
era um tempo de humores bem sacudidos,
depressões sincopadas, bem graves, minha querida.
mas afinal não morri, como se vê, ah não,
passava o tempo a ouvir deus e música de jazz,
emagreci bastante, mas safei-me à justa, oh yes,
ah, sim, pela noite dentro, minha querida.

a gente sopra e não atina, há um aperto
no coração, uma tensão no clarinete e
tão desgraçado o que senti, mas realmente,
mas realmente eu nunca tive jeito, ah, não,
eu nunca tive queda para kamikaze,
é tudo uma questão de swing, de swing minha querida,
saber sair a tempo, saber sair, é claro, mas saber,
e eu não me arrependi, minha querida, ah, não, ah, sim.

há ritmos na rua que vêm de casa em casa,
ao acender das luzes, uma aqui, outra ali,
mas pode ser que o vendaval um qualquer dia venha
no lusco-fusco da canção parar à minha casa,
o que eu nunca pedi, ah, não, manda calar a gente,
minha querida, toda a gente do bairro,
e então murmurarei, a ver fugir a escala
do clarinete: - morrer ou não morrer, darling, ah, sim.

Vasco Graça Moura

domingo, 10 de maio de 2009

Marginalidade caseira

Não sou dos que dizem que os blockbusters deveriam sofrer um blockburst. Quem gosta tem todo o direito a ser servido. Quem não gosta não é obrigado a ver. Mas entre tanto megabusters, não sobra um espaçinho para outras coisas? Assim sendo, não havendo salas decentes por estas bandas, fico (como tantos outros) confinado à marginalidade caseira. E fico melhor servido.

Socialites

Não gosto do verbo sociabilizar enquanto desejo supérfluo de sair do anonimato. Minhas caras, não se mostrem só por mostrar. Mostrem-me 'obra' e aí sim gostarei de vocês.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Jayne Mansfield


[texto eliminado; shame on me]

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Screwball comedy

- Oh, como sois leda, senhora!
- E vós, senhor, como sois lerda...